domingo, 7 de fevereiro de 2010

CONTO: Saudade...

Palavra particular. Nossa. Assim como aquela saudade que aperta no peito. Uma saudade de não sei o quê. Uma saudade doentia. Quase que necessária para viver. Para se fazer importante. Todos os dias saía de casa e ia para um parque, no finalzinho da tarde, pra junto ao verde, pensar... Engraçado como um simples fato como esse poderia fazer a diferença. Seu modo de liberar tudo o que lhe vinha em mente, em especial a saudade. Saudade do que viveu, saudades das coisas boas que viverá, saudade das coisas ruins já vividas...não! Essas não! Dessas, distância! Não era necessário algo em específico, um amor, um grande acontecimento, uma importante conquista, nada. Bastava apenas sentir. E sentia. Gostava quando essa saudade estava condicionada a pequenas coisas do dia a dia, aquelas que normalmente passariam despercebidas, e passam por quase todos. Olhava as crianças em volta, brincando inocentemente e sentia saudades do tempo em que estava ali, naquele mesmo papel. Não exatamente daquele jeito, mas curtindo a infância. Recordava cada detalhe das brincadeiras com os primos e primas, da família numerosa, das conversas animadas dos domingos à tarde... Tardes essas quase que sagradas, meio que ritualísticas. Tardes de sons, cheiros e sabores agradáveis. E o melhor: não tinha nada de extraordinário. O sabor era de um manjar com doce de ameixa, a coisa mais simples e talvez por isso mesmo a mais intrigante de saborosa. Hoje, o questionamento que fica é: por que coisas simples e que funcionam tão bem não podem conviver pacificamente com as mudanças? A resposta, se existir, reside aí mesmo: na mudança. E tinha perfeita consciência daquilo. Uma vez nesse processo cíclico, tais coisas se perdem no meio do caminho... talvez seja a famosa pedra do Drummond. O que se sabe é que naquele domingo, tudo estava mais diferente do que já vivera. Não estava ruim, de fato. Porém as cores, os cheiros e os sabores já não eram mais os mesmos. No meio daquela divagação, uma surpresa. Ao lado uma barraquinha de comidas típicas no parque vendia acarajés, tapiocas e um manjar. Impossível no meio de todos aqueles pensamentos não querer retornar ao que era antes. Assim, catou o valor necessário para o seu ingresso a uma viagem de volta no tempo e comprou seu doce. Muita expectativa para comê-lo. Ao fazer o que tanto ansiava, a decepção: doce demais. Não sabe se foi o fato do excesso na expectativa ou na mudança que aquele doce representava. A verdade é que após três provas, acabou se tornando algo intragável de tão enjoativo. Certas coisas são feitas para serem aguardadas, pensou. Procurou o lixeiro mais próximo e ali jogou seu pedaço de tentativa frustrada de recordação. E foi embora, seguindo com novos pensamentos sobre as obrigações que a vida lhe impora. No caminho, uma descoberta: sabia o porquê da tentativa de reviver um momento saboreando um doce de sua infância não deu certo. E nada tinha a ver com momento, idéias, ausências. O motivo era o mais simples de todos: muito açúcar.

(Dedicado a minha avó)

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